De vez em quando se ouve comentários desfavoráveis ao espiritismo, particularmente sobre a mediunidade, a partir de uma alegação aparentemente irrefutável: a de que os grandes literatos, pensadores e cientistas do passado não se pronunciam mais, silenciaram depois de desencarnados, e que por isso a ciência ou os saberes que possuíam estagnaram no ponto em que eles os deixaram.
O argumento complementar daqueles que lêem as obras fundamentais do espiritismo tem sido o livro A Gênese, compilada por Allan Kardec, e que contém erros científicos realmente comprovados, principalmente informações atribuídas a Galileu Galilei. Poucos, porém, atentam para o alerta de Kardec sobre o estágio dos conhecimentos do seu tempo e que muita coisa deveria ser corrigida posteriormente pela ciência ou posta de lado caso a evolução do conhecimento demonstrasse o erro.
Outro dado relevante, e igualmente desconsiderado pelos detratores do espiritismo, é que Allan Kardec previne seus leitores sobre a condição dos espíritos comunicantes e o nível de conhecimentos que cada um possuía naqueles tempos. Espíritos desencarnados, cientistas ou não, são seres humanos sem a roupagem carnal. É certo que ao ler obras, espíritas ou não, do século XIX, no alvorecer de vários campos do conhecimento, principalmente na área das ciências humanas, se encontre erros. Ainda assim, aqueles estudiosos e pesquisadores tiveram a coragem de expor o que sabiam e expor-se à opinião pública, predominantemente conservadora e dogmática.
É natural que ao se passar o pente fino nos conhecimentos apresentados pela literatura do passado encontremos equívocos do pensamento, perfeitamente compreensíveis se levarmos em conta o estágio dos conhecimentos da época e o contexto sociocultural. Cada um só pode dar do que tem. Os espíritos que participaram da chamada Codificação Espírita ofereceram o saber que possuíam e, desencarnados, certamente continuaram suas pesquisas e fizeram revisões de seus conhecimentos e teorias. Fosse hoje dariam outros pareceres e informações, mais completas, depuradas dos erros do passado e refinadas em seus conteúdos.
Nem Allan Kardec escapou dessas influências e das novas ciências do século XIX. Ao escrever um texto chamado Teoria da Beleza, inserido em Obras Póstumas, incorre em sérios erros, inclusive racismo, porém - é sempre importante relembrar - Kardec era um homem de ciência inserido no seu tempo e no seu contexto histórico. Tempos áureos do iluminismo romântico e do positivismo. A teoria espírita é válida justamente por não pretender a perfeição absoluta e estar permanentemente aberta a atualizações, progredindo com os conhecimentos humanos, sendo humana a origem de todo o saber contido em seus livros. O Livro dos Espíritos (1857) foi o ponto de partida e não de chegada da ciência do espírito.
O porquê de não termos comunicações mediúnicas de grandes cientistas do passado remoto ou recente se deve a fatores outros e que escapam a uma leitura ligeira ou análise superficial do espiritismo. Para psicografar obras filosóficas é preciso ter um médium com alguma formação na área, idem na área jurídica, médica, astronômica e assim em qualquer ramo do conhecimento humano. Isso se explica porque o espírito-comunicante precisa da base de conhecimentos que o espírito-médium possui. Sem conhecer o vocabulário técnico específico não se psicografa sobre economia ou matemática, astronomia ou medicina. Profissionais dessas áreas que sejam também médiuns são muito raros. Pode-se suprir parcialmente esta lacuna quando se tem um bom médium mecânico, mas ainda assim será uma interpretação medíocre daquilo que o comunicante realmente deseja.
Um astrônomo que seja também médium certamente poderia ser um excelente intérprete de um astrônomo desencarnado, mas é importante também lembrar o fato de que não existe fenômeno mediúnico puro. Todo fenômeno é anímico-mediúnico, isto é, o médium participa em maior ou menor grau com seus próprios conhecimentos. Na obra citada, A Gênese, certamente Flammarion e Galileu combinaram seus conhecimentos segundo o que sabiam naquela época. De lá para cá os estudos acerca do Universo progrediram muito e com certeza eles próprios estão a par dos avanços atuais.
Existem dois outros fatores a serem considerados: o fato de que os cientistas em geral trabalham de conformidade com suas teorias ou com aquelas que aceitam, em sua maioria materialistas, e em segundo lugar que em certos casos o cientista encarnado pode saber mais do que aqueles desencarnados. Resta-nos ainda levar em consideração que o esforço de produzir e assimilar conhecimentos é tarefa de todos e nada pode ir além do compartilhamento dos saberes. Esperar que venha tudo pronto e explicado da Espiritualidade seria eliminar a finalidade da vida na Terra, da reencarnação e os méritos advindos do esforço pessoal.
Dados do autor
Paulo Roberto Santos é natural de Santo Antônio do Monte (MG), onde nasceu em 29/08/57, e há duas décadas reside em Divinópolis (MG), onde é professor universitário na FUNEDI/UEMG.
É casado e pai de três filhos. Residiu na capital mineira por muitos anos. Em Divinópolis chegou a presidir, por várias vezes, o Centro Espírita Estudantes do Evangelho. Escreve regularmente para sites, jornais e revistas espíritas.
Pela Editora EME, de Capivari/SP, publicou os seguintes títulos: Espiritismo e formação política, Os sonhos de Mariana, A outra margem, Pequeno manual do orientador espírita, Adolescente, mas de passagem (em 5ª edição), Dia a dia e Torre de Marfim.
Paulo R. Santos é formado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com pós-graduação lato sensu em Política e Sociedade, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).